Stablecoins em foco no Finance of Tomorrow: rastreabilidade, interoperabilidade e os próximos passos da regulação

Líderes do ecossistema discutiram como tornar o mercado mais seguro e escalável sem engessar a inovação, e destacaram os desafios que a América Latina enfrenta em relação à Europa..

Avatar ABCRIPTO
Redação ABcripto-Conheça o autor

Explore nossos artigos e acompanhe as novidades!

Leitura de 9 min-15/09/2025, 07:30
Categorias: Tecnologia
Thumbnail para o artigo

O Finance of Tomorrow se consolidou como um encontro de referência para discutir o presente e o futuro da regulação financeira na América Latina. Reunindo autoridades públicas, bancos, fintechs, VASPs e pesquisadores, o evento tem como eixo comum a criação de um ambiente de inovação com segurança jurídica, padrões técnicos e integração internacional. Na edição realizada no Rio de Janeiro, com atividades no Museu do Amanhã e no Maravalley, a agenda regulatória para o sistema financeiro digital esteve no centro dos debates, incluindo pagamentos, dados, identidade, criptoativos e sustentabilidade.

Participação da ABcripto

A ABcripto marcou presença com a mediação de Anna Lucia Berardinelli no painel “Interoperabilidade de stablecoins”, ao lado de Caio Barbosa (Lumx) e Thomas Otendal (Ubyx). A discussão abordou um dos principais desafios para quem atua na fronteira entre cripto e finanças tradicionais: como equilibrar rastreabilidade, interoperabilidade e experiência do usuário em um mercado em rápida expansão, global por essência e que precisa dialogar com regulações locais.

Europa x América Latina: estágios e incentivos diferentes

Um dos insights do debate foi a diferença de uso de stablecoins entre Europa e Brasil/LatAm. No contexto europeu, com infraestrutura de pagamentos bem avançada e alto nível de bancarização, o uso de stablecoins ainda é relativamente menor. No Brasil e em outros países latino-americanos, a adoção é mais evidente por razões práticas: proteção cambial em momentos de volatilidade, facilidade nas transferências internacionais ponto a ponto e disponibilidade 24/7. Esse descompasso de incentivos explica por que a urgência regulatória também difere: onde a demanda é mais forte, a necessidade de padronizar procedimentos, dar visibilidade aos fluxos e conectar o sistema bancário chega antes.

Rastreabilidade como requisito sistêmico

Os bancos e reguladores latino-americanos enfrentam um desafio objetivo: ver a transação ponta a ponta. Para que instituições tradicionais e supervisores cumpram seu papel, é preciso identificar quem envia, quem recebe e como o valor transita. Nesse desenho, os VASPs (Virtual Asset Service Providers — prestadores de serviços de ativos virtuais) fazem a ponte — com processos de KYC (Know Your Customer — Conheça Seu Cliente) e KYB (Know Your Business — Conheça Seu Negócio), motores de KYT (Know Your Transaction — Conheça Sua Transação), listas de sanções e ferramentas de análise on-chain que atribuem risco a carteiras e padrões de movimentação. O painel destacou que, quando a transação não passa por um VASP (por exemplo, na autocustódia em cold wallets), a visibilidade do regulador se reduz, o que reabre a discussão sobre responsabilidades, mecanismos mínimos de reporte e eventuais limitações normativas em cenários específicos.

O debate sobre autocustódia

No Brasil, foi citado que, durante as discussões sobre a regulamentação de stablecoins, chegou-se a avaliar a proibição da autocustódia em cold wallets em determinados casos, devido à dificuldade de rastrear origem e destino quando não há um intermediário regulado. O ponto ilustra bem o dilema regulatório: como preservar a liberdade de arquitetura do ecossistema cripto — que permite autocustódia e liquidação direta — sem abrir mão das obrigações de PLD/FT e da capacidade investigativa? O consenso no painel foi claro: qualquer solução deve buscar equilíbrio entre proteção e inovação, evitando regras que inviabilizem modelos legítimos de negócio ou afastem investimentos.

Interoperabilidade entre “dois mundos”

Outro ponto central foi a interoperabilidade. Embora o blockchain seja uma infraestrutura global, pagamentos transfronteiriços exigem que dois bancos centrais e dois sistemas bancários consigam enxergar e atestar a jornada do recurso. O desafio aumenta num país como o Brasil, onde Pix e o projeto de moeda digital Drex — ambos extremamente relevantes — não operam sobre blockchain. A pergunta prática que emergiu no painel foi: como o sistema financeiro tradicional “enxerga” cripto para fins de conciliação, auditoria e supervisão, se as infraestruturas domésticas não compartilham a mesma base tecnológica? A resposta passa por padrões mínimos de dados, integrações técnicas com VASPs, resolução de identidade e regras de mensagens que funcionem de forma consistente em ambos os lados (on-chain e off-chain).

Padrões, governança e “o mínimo necessário”

Ao discutir caminhos de implementação, os participantes convergiram para a ideia de que não é viável criar algo completamente novo e paralelo ao sistema bancário. É preciso construir compatibilidade: formatos de mensagem que bancos e fintechs já entendem; evidências auditáveis de origem e destino; e um pipeline de informações que permita triagem eficaz sem friccionar o usuário idôneo. Em termos práticos, isso implica combinar análise on-chain com procedimentos off-chain, definindo responsabilidades claras para VASPs, PSPs, bancos e provedores de infraestrutura.

Pagamentos internacionais: onde a teoria encontra a prática

O caso de uso transfronteiriço tornou a discussão mais concreta. Quando a transferência atravessa fronteiras, entram em cena diferentes jurisdições, moedas, regras de reporte e listas de sanção. Sem interoperabilidade regulatória e equivalência de controles, mesmo uma tecnologia global como blockchain enfrenta gargalos institucionais. O painel apontou que bloqueio de endereços e listas de risco ajudam a “peneirar” comportamentos inadequados, mas que visibilidade transnacional depende de cooperação entre supervisores, alinhamento de padrões e adesão dos principais participantes do mercado a rotinas de KYT e Travel Rule. Onde autocustódia prevalece na borda, essa visibilidade cai — e aí está um dos principais impasses para pagamentos internacionais com cripto.

O recorte latino-americano e a experiência argentina

A Argentina surgiu como exemplo de país em que a realidade macroeconômica acelerou a formalização de regras para ativos digitais, com destaque para stablecoins usadas como proteção cambial. O aprendizado latino-americano é pragmático: quando a demanda do usuário existe e resolve problemas reais, a regulação precisa acompanhar o uso e padronizar práticas o suficiente para manter o sistema seguro, competitivo e atrativo a investimentos.

Para onde vamos: estável, aberto e escalável

A conclusão do painel foi que stablecoins tendem a dominar a camada de pagamentos em diversas frentes, e reguladores do mundo todo já correm para estruturar normas que atraiam novos players, ampliem a competição e promovam interoperabilidade sem sacrificar a segurança. No Brasil, a sinalização de que stablecoins não entrarão na primeira norma em elaboração indica um caminho faseado, priorizando o que é viável agora e deixando temas complexos para a próxima etapa — uma escolha que pode reduzir riscos de desenho institucional e criar espaço para provas de conceito.

O painel mediado pela ABcripto no Finance of Tomorrow mostrou que a discussão sobre stablecoins já está menos focada em “se” e mais em “como”. Rastreabilidade e interoperabilidade deixaram de ser jargões técnicos para se tornarem requisitos sistêmicos, especialmente em uma região que convive com realidades macroeconômicas desafiadoras e forte demanda por eficiência em pagamentos. O ponto de equilíbrio — entre proteção e inovação — passa por desenhar responsabilidades, padronizar dados e integrar quem opera on-chain com quem opera off-chain.

A ABcripto seguirá contribuindo com informação técnica, diálogo institucional e articulação com os principais atores do mercado para que o Brasil avance em uma regulação efetiva, proporcional e pró-inovação.

🔹 Quer entender mais sobre criptoeconomia, inovação e regulação? O Hub ABcripto reúne trilhas de capacitação, conteúdos técnicos, certificações, podcasts e comunidades colaborativas para conectar profissionais, empresas e especialistas da criptoeconomia.

Redação ABcripto

Explore nossos artigos e acompanhe as novidades!

Somos dedicados a trazer informações precisas e relevantes sobre o universo dos criptoativos e blockchains. Nosso foco é manter você atualizado sobre as principais novidades, análises de mercado e tendências da criptoeconomia.