Stablecoins no Brasil: desafios e oportunidades de uma regulação equilibrada
Os principais pontos do painel “Como regular stablecoins? Desafios e oportunidades”, no Especial Dólar Digital da EXAME, com a participação da ABcripto.
O palco do debate sobre stablecoins
No dia 23 de outubro, o Especial Dólar Digital — primeiro evento presencial do Future of Money — reuniu representantes do mercado e do setor público para discutir os caminhos regulatórios das stablecoins. No painel, Bernardo Srur (CEO da ABcripto) dividiu o palco com Marina Copola (diretora da CVM) e Daniel Mangabeira (VP de Estratégia e Políticas para o Brasil e América Latina da Circle), sob a moderação de João Pedro Malar (EXAME).
O debate girou em torno de uma questão central: o arcabouço atual dá conta das stablecoins ou será preciso atualizar as regras? A resposta foi clara — o Brasil avançou, mas ainda precisa de mais clareza e previsibilidade para estimular a inovação com segurança.
O que são stablecoins — e por que estão no centro do debate
Stablecoins são criptomoedas com valor estável, normalmente atreladas a uma moeda tradicional como o real ou o dólar. Elas buscam unir o melhor dos dois mundos:
A agilidade e transparência da tecnologia blockchain;
A estabilidade de preço das moedas fiduciárias.
Na prática, uma stablecoin de real vale R$ 1 — mas, por trás disso, há diferentes modelos de funcionamento, que variam conforme o tipo de lastro (dinheiro, títulos públicos ou outros ativos digitais), as regras de resgate e a governança de quem emite. É justamente essa diversidade que torna o tema da regulação tão importante.
O desafio da taxonomia: falar a mesma língua
Um dos principais pontos levantados foi a falta de padronização conceitual — o que os especialistas chamaram de taxonomia.
Hoje, diferentes órgãos e países classificam os ativos digitais de maneiras distintas, o que gera incerteza para empresas e investidores.
No Brasil, há um trabalho conjunto entre o Banco Central, a CVM e a Receita Federal para harmonizar essa linguagem e definir critérios claros sobre o que é uma stablecoin, um token ou um valor mobiliário.
Essa clareza é essencial para criar regras proporcionais aos riscos de cada modelo, evitando tanto o excesso de rigidez quanto a falta de supervisão.
O papel da CVM e o que já existe no Brasil
A CVM (Comissão de Valores Mobiliários) reforçou que sua atuação ocorre apenas quando há características de valor mobiliário — ou seja, quando o ativo é usado para captação de recursos ou expectativa de lucro por parte de terceiros.
Segundo o Parecer de Orientação nº 40/2022, cada caso é analisado individualmente: uma stablecoin normalmente não é um valor mobiliário, mas pode ser, dependendo do formato e da promessa feita ao investidor.
O órgão mencionou inclusive um caso recente em que o colegiado teve decisão dividida, o que mostra o grau de complexidade técnica e a importância do diálogo prévio com o regulador.
Em paralelo, a CVM também trabalha na agenda de tokenização, buscando atualizar normas para lidar com estruturas que unem o sistema financeiro tradicional e o universo cripto — sem confundir meios de pagamento com investimentos.
A estrutura brasileira e os próximos passos
O Brasil já possui uma moldura legal sólida, com o Marco Legal dos Criptoativos (Lei 14.478/2022) e o Decreto 11.563/2023, que colocaram o Banco Central como supervisor das empresas que prestam serviços com ativos virtuais (as chamadas VASPs).
Essa base permite que a regulamentação evolua por meio de normas técnicas e infralegais, mais flexíveis do que uma nova lei.
Os próximos passos devem incluir regras específicas sobre segregação patrimonial (separar o dinheiro do cliente do patrimônio da empresa), transparência das reservas, e padrões de auditoria e governança.
Lições internacionais: proporcionalidade e harmonização
Dois conceitos orientaram a comparação com outros países:
Proporcionalidade: exigir mais de quem representa maior risco. Um emissor de grande porte ou com bilhões em circulação precisa seguir regras mais rigorosas do que um projeto pequeno.
Harmonização: como stablecoins circulam globalmente, as regras nacionais precisam “conversar” entre si, garantindo interoperabilidade e cooperação internacional.
O painel comparou o MiCA (regulação europeia) — abrangente, mas considerada rígida — com as propostas dos EUA, mais focadas em stablecoins. A conclusão foi que o Brasil acerta ao adotar uma abordagem gradual, construindo a estrutura passo a passo.
Boas práticas que já se consolidam
Independentemente da forma final da regulação, o debate apontou um conjunto de boas práticas essenciais para emissores e empresas que operam com stablecoins:
Lastro e reservas auditáveis e separadas do patrimônio da empresa;
Transparência em relatórios e políticas de gestão de risco;
Governança clara, com planos de continuidade e prevenção de conflitos;
Controles de PLD/FT (Prevenção à Lavagem de Dinheiro e ao Financiamento do Terrorismo) e KYC (Conheça Seu Cliente);
Regras proporcionais ao porte e ao risco;
Padrões internacionais de interoperabilidade para facilitar trocas e supervisão entre países.
Stablecoins, Drex e o futuro da tokenização
O debate também destacou como o tema das stablecoins se conecta a outras inovações, como o Drex (real digital), a tokenização de ativos e os pagamentos programáveis.
A tendência é que o sistema financeiro tradicional e o universo cripto passem a dialogar cada vez mais, com infraestrutura compartilhada, APIs abertas e padrões de segurança comuns. Esse caminho indica que o futuro será híbrido e integrado, combinando estabilidade e inovação.
O painel reforçou uma visão madura: regular não é sufocar — é organizar para crescer. Com uma base legal sólida e instituições preparadas, o Brasil tem condições de se tornar referência global em regulação de criptoativos.
A ABcripto segue contribuindo ativamente nesse processo — defendendo uma regulação equilibrada, transparente e inovadora, que proteja os usuários, promova a competitividade e impulsione o desenvolvimento sustentável da criptoeconomia.

